Em um mundo com tantas desigualdades, doenças, guerras e dores, a humanidade tem buscado cada vez mais caminhos para viver bem. Alguns recorrem às tecnologias, outros tentam se conectar com a natureza e há quem se arrisque em novas habilidades, como os esportes. Nem sempre, no entanto, é possível alcançar sucesso. Nessa teia de complexidades, ainda não há um manual que combine fórmulas para o equilíbrio entre corpo e mente com as estratégias para chegar à felicidade. Diante desde dilema, a médica Gladys McGarey resolveu reunir seus conhecimentos sobre saúde acumulados durante mais de sete décadas, medicina holística e a experiência de seus 102 anos para escrever “Uma Vida Bem Vivida” (Editora Rocco – R$ 59,90).
Recém-lançado no Brasil, o livro de Gladys traz a proposta de apresentar “seis segredos de uma médica centenária para ter saúde e felicidade em todas as idades”. Pode parecer ousado, mas a ideia é transmitir, de forma simples e serena, que o ser humano pode desenvolver ferramentas poderosas como o autoconhecimento, a conexão com as pessoas queridas, o amor e os sonhos.
Cofundadora da Associação Americana de Medicina Holística, entidade que existe desde 1978, ela se guia pela conexão entre corpo, mente e espírito, princípio que abraçou fortemente mesmo ao se deparar com duas chagas ao longo de sua trajetória: o machismo e, recentemente, o etarismo.
Aos 85 anos, usou toda sua experiência sobre práticas seguras de parto domiciliar para ajudar gestantes de áreas rurais do Afeganistão. O resultado foi a queda de 47% na taxa de mortalidade infantil. É por isso que não abre mão do amor pelo que faz e permanece em atividade, trabalhando como consultora.
Nesta entrevista para VEJA, Gladys reflete sobre as mazelas do mundo atual, relembra o encontro com o ativista indiano Mahatma Gandhi (1869-1948) e elogia o Brasil por valorizar os povos originários. “Encorajo-nos, no mundo de língua inglesa, e a vocês, no Brasil, a prosseguir com o trabalho que seus ancestrais fizeram e que os povos indígenas ainda estão fazendo. Podemos aprender com vocês!”. Leia abaixo os principais trechos.
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– Você tem acompanhado o desenvolvimento da medicina nas últimas décadas. Apesar do avanço dos medicamentos e de técnicas, temos a sensação de que a saúde geral da população está piorando, porque ansiedade, depressão, obesidade, câncer e as doenças cardíacas estão aumentando. Por que isso está acontecendo?
A maioria das pessoas hoje em dia não precisa cavar suas próprias batatas ou colher suas próprias ervilhas. Estamos mais desconectados da natureza do que costumávamos estar quando nasci. E, embora tenhamos tecnologias incríveis como a internet, também estamos, de certa forma, mais desconectados uns dos outros do que naquela época. Temos também acesso a grandes quantidades de informação sobre a corrupção governamental e as guerras em todo o mundo, o que pode ser um gerador de ansiedade e, por sua vez pode levar à depressão, obesidade e doenças cardíacas.
– É possível mudar esse cenário no futuro?
Acredito que a melhor maneira de mudar esse cenário é prestar atenção às coisas da vida que nos dão energia, às coisas que nos fazem felizes e nos enchem de senso de propósito, às coisas que nos dão vislumbres da nossa verdadeira humanidade e também daqueles que nos rodeiam. Isso nos ajuda a sair do impasse e a começar a criar um cenário muito diferente para o nosso futuro e o da humanidade.
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– O ponto de vista holístico, presente no seu trabalho, é considerado importante para melhorar os tratamentos para as doenças do corpo e da mente. Por que esta metodologia não faz parte da rotina médica em todo o mundo atualmente?
Você está certa. Os pacientes ficam mais saudáveis e assim permanecem quando são tratados como seres inteiros e não apenas como uma doença ou um rim (por exemplo). Ao longo dos anos, os profissionais médicos não foram ensinados a encarar a cura dessa forma, embora isso esteja mudando um pouco hoje em dia. A entidade que fundei, The Foundation for Living Medicine, está desenvolvendo um currículo para a faculdade de medicina para ajudar a compensar esta falta de formação e perspectiva na comunidade médica. Temos de promover a capacidade do paciente de trabalhar em prol da sua própria saúde e cura, em vez de esperar que a cura venha estritamente dos médicos ou dos profissionais médicos.
– Por que você decidiu dividir seu livro em apenas seis segredos? Você acha que estamos transformando nossas vidas em algo complicado?
Transformar nossas vidas pode parecer complicado e, às vezes, é. Mas temos um guia para nos ajudar: nosso médico interior. Quanto mais nos conectamos com essa sabedoria interior, mais claro se torna qual é o melhor jeito de mudar nossas vidas de forma que beneficie a nós e às pessoas ao nosso redor. Em certo sentido, todos os seis segredos são simplesmente maneiras diferentes de descrever a mesma ideia.
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– E qual é o segredo mais importante?
Apenas ame. Os Beatles disseram: “Love is all you need” (Amor é tudo que você precisa). O amor é o grande curador. Qualquer tratamento médico no mundo não funcionará tão bem por si só como funcionaria se você o usasse com amor.
– Na medicina tradicional temos muitos remédios, muitos exames e, às vezes, falta uma conversa verdadeira. Você acredita que isso afeta a saúde global da humanidade?
A medicina convencional é muitas vezes tentada a ignorar a ligação humana básica que cada médico pode ter com o seu paciente. A conexão não é importante apenas para ajudar a curar os indivíduos, mas a conexão genuína e amorosa também é um ingrediente essencial para ajudar a curar governos, nações e a humanidade. A conexão é uma parte fundamental do amor, e o amor, como digo tantas vezes em meu livro, é o grande curador.
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Uma Vida Bem Vivida, livro da médica Gladys McGareyDivulgação/Reprodução– Qual foi o conhecimento mais importante que você recebeu durante sua experiência na Índia?
Quando estive na Índia e olhei do Himalaia para as vastas extensões das planícies abaixo de mim, percebi o quão incrivelmente variados somos todos como indivíduos e, ainda assim, como fui atraída para servir e ajudar cada um de nós a alcançar a nossa verdadeira humanidade. Esse núcleo de grandeza em cada pessoa é o que me inspirou durante os meus 70 anos de prática médica e durante cada nascimento que tive a sorte de assistir.
E como foi a experiência de conhecer Mahatma Gandhi?
No que diz respeito a Gandhi, no momento em que olhei nos olhos dele e ele olhou nos meus, entendi o que era o amor verdadeiro e genuíno. Até que você experimente algo assim, é quase impossível colocar em palavras. Você tem que experimentar para saber.
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– Por que é tão essencial pensar em propósito e no conceito de alma dentro da área médica?
Porque se não prestarmos atenção ao médico interior de cada um de nós, é quase impossível obter a verdadeira cura. O médico interior é onde nos conectamos com nosso propósito e alma. O médico de fora pode fazer o que os médicos fazem. Isso é ótimo. Mas só depois que o médico dentro de nós assume o controle e combinamos isso com amor, é que começamos a cura genuína e integral.
– Tivemos a pandemia recentemente e há guerras em curso, fatores que são especialmente perigosos para espalhar doenças e afetar a saúde mental. Você acredita que os humanos enfrentarão um caminho difícil para alcançar saúde, longevidade e felicidade?
Guerra, doença, fome e problemas mentais e emocionais, além dos danos finais que os acompanham, fazem parte da humanidade há muito, muito tempo. Ao longo da minha vida, vi duas guerras mundiais e sei que provavelmente ocorreram centenas de outras guerras e conflitos regionais. Isto é algo que esperamos ser capazes de superar, mas não acontecerá até que reivindiquemos mais da nossa verdadeira humanidade. Nós podemos fazer isso? Sempre há esperança se decidirmos alcançá-la. Essa é a essência da minha história de vida: como é importante para nós continuarmos buscando nossa verdadeira humanidade. E, em essência, é disso que trata meu livro.
– Se você pudesse nos dar apenas um conselho sobre como ser uma pessoa calma, saudável, autoconsciente e autoconfiante como você, qual seria?
Continue buscando a luz, não a escuridão. Continue buscando o amor, não o medo e o ódio.
– E poderia dar algum conselho aos leitores brasileiros?
Estou muito satisfeita por saber que o Brasil está olhando para trás, para a sabedoria que seus povos indígenas lhes transmitiram sobre plantas e ervas, e sobre os princípios fundamentais da cura holística. Encorajo-nos, no mundo de língua inglesa, e a vocês, no Brasil, a prosseguir com o trabalho que seus ancestrais fizeram e que os povos indígenas ainda estão fazendo. Podemos aprender com vocês!
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